25 de set. de 2011

PAPO DE DOMINGO


 - Homilia para o 25 domingo do Tempo Comum:



“OS PUBLICANOS E AS PROSTITUTAS PRIMEIRO?

É, sem dúvida alguma, assustadora a afirmação do Senhor aos Sacerdotes e Anciãos do povo judaico: “'Em verdade vos digo, que os publicanos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus.” (Mt 21,31). Eles eram os responsáveis pela Lei, guardiões da Tradição, sucessores de Moisés e anunciadores da Aliança firmada com o Povo de Israel. A afirmação de Jesus foi como um soco no estômago de quem se tinha em grande conta diante de Deus e de seu Povo Eleito.


Meu amigo jovem, você, chamado a ser Sentinela da Manhã, é hoje provocado a ir fundo no sentido do Cristianismo e na missão do Senhor. Você, eu e toda a Igreja, somos chamados a termos em nós “o mesmo sentimento
que existe em Cristo Jesus”. E quê Jesus sentia? O que Ele queria? Porque os publicanos e as prostitutas foram os primeiros a entrar no seu Reino?


  
Um pouco de história pra entendermos Mateus
São Mateus é o único evangelista que nos relata este encontro conflituoso que lemos hoje. Ele quis destacar este discurso de Jesus e não deixá-lo cair no esquecimento porque para a comunidade que ele escreve esta passagem é, de fato, importante. E porquê? A comunidade para a qual Mateus escreve é uma comunidade em conflito consigo mesma. Ele escreve para Cristãos convertidos do Judaísmo. Como se sabe, quem se convertia da antiga religião judaica e passava a acreditar em Jesus continuava com as práticas religiosas judaicas: as leis, a visita ao Templo, a frequência às sinagogas aos sábados, as celebrações das festas anuais, entre outros...

A partir do ano 70d.C. a situação mudou. Neste período, alguns judeus, motivados pela ideia de que o Reino de Deus consistia na libertação política de Israel e no seu isolamento das influências pecaminosas do estrangeiro,  lideraram uma revolta que ficou conhecida como “A guerra judaica”. O Povo de Israel revoltou-se contra o domínio do Império Romano. Roma reagiu impiedosamente e, com seus exércitos, varreu a Terra Santa, destruindo tudo. Cercou Jerusalém e a manteve sitiada por sete meses, sem que se pudessem ser enviadas provisões para dentro das muralhas. Foi um verdadeiro horror, de fome e medo (dizem que mães vendiam os corpos dos filhos mortos como comida). Ao final do cerco, Jerusalém foi tomada. Com ódio, romanos destruíram tudo, inclusive o Templo (que nunca mais foi reconstruído). A perseguição ao judaísmo estourou em todo o Império. Os judeus, espalhados pela Europa, Ásia e África, corriam risco de destruição total.

Os chefes judeus (Sumo-Sacerdote e Anciãos do Povo) expulsos de Jerusalém, reuniram em Jâmnia (cidadezinha próxima a Jerusalém) para definir os planos estratégicos a fim de não deixar morrer o judaísmo. Então, são tomadas algumas decisões: exigência de uniformidade e fidelidade ao judaísmo tradicional; harmonização das escolas teológicas rivais; fixação do calendário e das festas; uniformização da liturgia sinagogal; fixação do Cânon Bíblico (ainda em discussão na época...). Ou seja – desejavam restaurar o judaísmo puro. Toda diferença seria um risco.

E é aí que os Cristãos, que já eram tidos como problema, tornam-se de fato indesejáveis. A eles foi feita a exigência de abandonarem a Cristo para poderem continuar sendo membros do Povo Eleito. Caso contrário, seriam expulsos das sinagogas, o que de fato aconteceu a uma grande maioria. Imaginemos se fôssemos expulsos do Brasil e não pudéssemos mais ser chamados “brasileiros”? Imaginemos que nossos parentes e amigos fossem proibidos de conversar conosco? Que não pudéssemos mais frequentar os ambientes que os brasileiros frequentam? Foi mais ou menos isso que aconteceu aos judeus que professaram a fé em Jesus Cristo. Foram desterrados, PERDERAM A NACIONALIDADE, a cidadania judaica.

Com isso, a Igreja, que tinha sua primeira sede em Jerusalém, decidiu romper definitivamente com o judaísmo e separar-se dele. Porém, para os primeiros cristãos que vieram do judaísmo pairavam ainda a perguntas: Valeria a pena abandonar a fé dos Pais para trilhar esse novo caminho? Ser cristão consiste em negar tudo o que cremos até agora? Há vantagens em optar por Jesus, mesmo sendo expulsos de nosso povo? Qual é a vontade de Deus: seguir os chefes das sinagogas ou os chefes dos cristãos?
 Israel disse sim à Lei, mas não ao Jesus e ao Reino que Ele anuncia

A Parábola de Jesus, neste Evangelho de hoje, representa o drama da história de Israel. Eles disseram sim: sim à Lei e à Antiga Aliança. Porém, nesta mesma Antiga Aliança estava, em germe, a Nova Aliança. Ela foi prenunciada desde os primórdios do povo israelita: na Aliança com Abraão, na libertação do Egito com Moisés, no reinado de Davi e seus sucessores, na Palavra dos profetas, na experiência dolorosa do Exílio...

Quando, porém, o Novo se faz presente em Jesus de Nazaré, os chefes de Israel não o reconhecem! Por séculos sonharam com o Reino e a vinda do Messias. Quando Jesus aparece e realiza o Reino de Paz e Misericórdia, muitos em Israel não se reconheceram nele! Preferiram ficar presos às interpretações radicais da Lei, que excluía todos os que não se adequassem a ela, que negava misericórdia aos pecadores, que isolava Israel do resto do mundo, como se fosse o único povo com direito a Deus e, que levava à guerra ao invés da paz. Este erro continuou a se repetir nos anos seguintes e motivou a guerra contra Roma. Após o drama da destruição de Jerusalém, ao invés da revisão de postura e abertura, esta atitude isolacionista e excludente acirrou-se. 40 anos antes, não quiseram acolher o Príncipe da Paz, do Amor e da Misericórdia que surgiu no e do meio deles e o crucificaram. Agora, no ano 70, acabaram por expulsar todos os seus seguidores de seu meio.
As prostitutas e os publicanos tinham dito não...
De acordo com os critérios morais e religiosos da época de Jesus e dos anos subsequentes, as prostitutas, os ladrões (publicanos...), pecadores públicos eram infiéis à Aliança – deveriam ser extirpados do meio do povo como um câncer. Segundo o entender das lideranças farisaicas, se Israel sofria, era por causa do pecado destes. Eles haviam dito não à Lei. Jesus, porém, não se importava com as leis e costumes. Não as rejeita, mas também não as impõe. Ele jamais admite que alguém seja deixado de lado. Jesus abre as portas para uma nova vida! E os pecadores, que haviam dito não à Lei, são os primeiros a dizer sim ao Evangelho! Alguns exemplos: Zaqueu – dá o que roubou aos pobres; a adúltera, rejeitada e condenada à morte, é restituída em sua dignidade e passa a seguir Jesus; a prostituta, regenerada, lava-lhe os pés com as lágrimas que brotam de um coração restaurado; e por fim, o próprio Mateus, que era um publicano (cobrador de impostos para Roma), acolhe Jesus em sua casa, prepara-lhe um banquete e é chamado a ser um Apóstolo.
 
A misericórdia, o amor, a acolhida restauram o verdadeiro sentido da Lei e da Antiga Aliança, e fazem surgir um novo povo: um novo Israel, que nasce não do castigo, mas da misericórdia de um deus que é amor e que se manifesta em Jesus de Nazaré. É isto que os pobres, os pecadores e os rejeitados do Antigo Israel veem nEle: Ele é realmente o Deus conosco, Salvador de toda humanidade! Ele é a plenitude do que Moisés, Davi, os profetas e toda a experiência do povo de Israel anunciava e esperava!

Não foi Deus quem rejeitou o velho Israel! Foram sim, os chefes de Israel que disseram não à novidade que seu Deus lhes propunha em Jesus de Nazaré. O modo como viviam seu “sim” à Lei os levou a dizer não ao Evangelho! O não dado à Lei pelos publicanos e prostitutas, converteu-se em sim dado à Misericórdia de um Deus que veio até eles e lhes ofereceu a Boa-Notícia da Salvação: o Reino de Deus – o Novo Povo de Israel – uma nova Civilização do Amor.
Nossas tradições...
O cristianismo nasceu da novidade de Jesus de Nazaré. Porém, muitas vezes corremos o mesmo risco de Israel, e com nossas interpretações do Evangelho, rejeitarmos muitos que consideramos “pecadores”. Devemos nos vigiar constantemente... Jamais nos podemos considerar os  “puros”. Mas sempre nos lembrarmos de que NÓS SOMOS AS PROSTITUTAS E OS LADRÕES QUE DISSERAM SIM A JESUS.
Em outras palavras: se somos Igreja, se procuramos fazer o bem e amar como Jesus. Se somos fiéis à nossa família, se procuramos ser justos nos negócios, se respeitamos o outro em seus direitos... Tudo isso é graça de Deus. Não é mérito nosso! Não compramos a salvação às custas de nossas boas ações! A salvação é dom gratuito de Deus. Se temos direito a ela mesmo reconhecendo nossas fraquezas e demérito, os outros também tem.

É nosso dever ir atrás das prostitutas e dos publicanos de hoje, escondidos atrás dos traficantes de drogas, dos garotos e garotas de programa, das pessoas nos bordéis, dos políticos corruptos, dos pobres e excluídos – obrigados a roubar para sobreviver, dos presidiários, enfim, de todos os rejeitados de nossa sociedade. Afinal, se Jesus estivesse andando em nossas ruas, sem dúvida Ele estaria junto destes, e eles lhes diriam sim talvez muito mais rápido do que nós.
Eucaristia – antecipação do céu!
“Se existe consolação na vida em Cristo, se existe alento no mútuo amor, se existe comunhão no Espírito, se existe  ternura e compaixão, tornai então completa a minha alegria: aspirai à mesma coisa, unidos no mesmo amor; vivei em  harmonia, procurando a unidade. Nada façais por competição ou vanglória, mas, com humildade, cada um julgue que o  outro é mais importante, e não cuide somente do que é seu, mas também do que é do outro. Tende entre vós o  mesmo  sentimento que existe em Cristo Jesus” (Fl 2,1-5). Esta linda passagem da Segunda Leitura de hoje nos recorda qual é a verdadeira postura do Cristão: amar sempre, ser misericordioso sempre, dizer sempre sim ao amor, em primeiro lugar.
Na Eucaristia celebramos este amor. Ela é o banquete oferecido aos pecadores! Há 2000 anos atrás, Jesus sentou-se à mesa com eles. Hoje Ele senta-se à mesa conosco. E no céu estaremos todos nós, juntamente com tantos julgados como pecadores mas redimidos pela misericórdia de Deus e sua graça, sentados à mesa com Jesus! Na eucaristia antecipamos essa ceia no céu! Que o céu seja também antecipado em nossas atitudes de acolhida e misericórdia hoje.

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