4 de nov. de 2011

A juventude e a cultura midiática

As oportunidades e os desafios que as novas mídias colocam diante dos jovens: esse é o tema principal da reflexão feita por Dom Eduardo Pinheiro da Silva, presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Juventude, da CNBB. Veja abaixo a íntegra do artigo A Juventude e a Cultura Midiática, feito para o encontro de preparação do texto-base da Campanha da Fraternidade de 2013, cujo tema será "Fraternidade e Juventude" e o lema, "Eis-me aqui, envia-me!" (Is 6,8).

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“FRATERNIDADE E JUVENTUDE”
- “Eis-me aqui, envia-me” (Is 6,8) -
(Reflexão para o encontro de preparação do texto-base – 18/10/2011)

A Juventude e a cultura midiática
“Convido sobretudo os jovens a fazerem bom uso da sua presença no areópago digital.” (Bento XVI)

Introdução
De uma maneira ou de outra, a Igreja sempre trabalhou junto aos jovens; nossa história de evangelização da juventude no Brasil é rica de propostas e sucessos.

Estamos vivendo numa época muito forte de opção efetiva eclesial pela juventude em nosso país. A CNBB vem investindo para que todos os jovens a ela confiados possam encontrar acolhida, espaços, orientação e motivação. Entre tantos sinais desta opção destacamos: o documento ‘Evangelização da Juventude – desafios e perspectivas pastorais’ aprovado em 2007 e dirigido a todas as expressões de trabalho juvenil; o incentivo para que se garanta espaço de unidade na instância diocesana criando o Setor Juventude; o site www.jovensconectados.org.br organizado em 2010 com jovens voluntários ligados às áreas da comunicação e vindos de vários cantos do país e expressões de trabalho juvenil; o pedido oficial feito ao papa em 2007 pela CNBB para que a Jornada Mundial da Juventude pudesse acontecer no Brasil; a organização da 1ª. Delegação Oficial da CNBB para uma JMJ (Madri) com mais de 500 jovens vindos das várias partes do país e dos diversos tipos de evangelização da juventude (2010-2011); o processo de organização para a JMJ Rio 2013; a criação da Comissão Episcopal Pastoral para a Juventude como fruto de um pedido explícito dos bispos referenciais regionais dos jovens; a organização da Coordenação Nacional de jovens provenientes de várias expressões de evangelização; a aprovação da Campanha da Fraternidade de 2013 com o tema ‘Juventude’.

Mudança de época

Não há dúvidas de que estamos vivendo um delicado, desafiador e promissor momento na história da humanidade. Não só contemplamos a multiplicidade das novidades que nos chegam com uma rapidez incrível, mas estamos vivendo numa verdadeira ‘mudança de época’. Diz-nos Pe. Joel Portella Amado em sua palestra no 13º. Encontro Nacional de Presbíteros no ano passado: “Enquanto, nas épocas de mudança, transformam-se as realidades circundantes, mas os critérios de julgar permanecem inalterados, nas mudanças de época também os critérios de julgar são atingidos. É por isso que crescem questionamentos do tipo: O que é certo? Será mesmo que estou errado(a) ao agir deste modo? O que é pecado hoje em dia? A perplexidade e a oscilação em relação aos critérios são marcas próprias das mudanças de época”.

Quem sabe no desejo de destacar as principais mudanças de época da história poderíamos ressaltar: a descoberta do fogo, a revolução das máquinas (revolução industrial), a manipulação do átomo, a navegação pelos bytes. Ou, quem sabe, valeria à pena falar de períodos que marcaram época na humanidade: extrativista, agrícola, industrial, tecnologia digital, conexões (redes).

Cultura Midiática

O Documento de Aparecida afirma em seu número 484: “A revolução tecnológica e os processos de globalização formatam o mundo atual como grande cultura midiática. Isso implica uma capacidade para reconhecer as novas linguagens, que podem favorecer maior humanização global. Essas novas linguagens configuram um elemento articulador das mudanças na sociedade”.

José de Souza Silva, Gerente da Rede ‘Novo Paradigma para a Inovação Institucional na América Latina’ exemplifica: “Imaginemos um cego que se movimenta com o apoio de um guia confiável. Neste caso, o guia sintetiza e traduz um conjunto de referências que permitem ao cego interpretar sua realidade para atuar sobre ela. Que tal se um dia o guia surpreende ao cego, soltando sua mão, pedindo-lhe desculpas e avisando-lhe que não pode continuar sendo o seu guia? Que aconteceria com o cego cujo antigo guia se foi e o próximo ainda não chegou? E se isso ocorresse quando o contexto onde o cego vive estivesse mudando? Primeiro o cego ficaria aturdido com esta situação totalmente nova—estaria perplexo. Depois ele se sentiria angustiado pela ausência de seu sistema de referência—estaria inseguro. Em seguida, ele se surpreenderia encontrando novos sinais no lugar de antigas referências—estaria desorientado. A partir daí, ele se encontraria exposto a um mundo totalmente novo, que ele não entende e para o qual não estaria necessariamente preparado—estaria vulnerável. Esta é precisamente a situação da humanidade no contexto da atual mudança de época.” (A mudança de época e o contexto global cambiante - Implicações para a mudança institucional em organizações de desenvolvimento. São José, Costa Rica, 2004).

Redes Sociais

A revolução da informática não nos coloca somente novos instrumentos no mercado para a rapidez e comodidade da vida das pessoas. Eles estão, de maneira veloz e bombástica, interferindo nos elementos essenciais da existência humana. As REDES SOCIAIS, impulsionadas por este avalanche de novidades na informática, são um fato impactante, transformador, desconcertante e sedutor. Elas vieram para ficar, ou melhor, para ‘não ficar’ pois tudo muda velozmente inclusive estas ‘redes’ atuais. Elas têm provocado uma grande revolução na maneira de pensar e de organizar as ideias, nos grandes sonhos da vida, nos relacionamentos interpessoais, no compromisso com a sociedade, na religiosidade e na espiritualidade, nos valores, nos critérios de julgamento, no modo de conceber felicidade, etc. Surge, portanto, principalmente alimentada por estas ‘redes’, uma nova CULTURA com sua linguagem própria e, de maneira toda particular, pertencente às novas gerações.

As REDES SOCIAIS são os instrumentos privilegiados dos jovens de hoje. Para compreender a juventude é preciso não só entender como se manipulam estes instrumentos – isto até que não é impossível! Exige-se de nós, adultos, uma perspicácia e capacidade especial para se entender tudo aquilo que estas redes de comunicação processam na organização dos pensamentos, dos sentimentos e das ações das crianças, adolescentes de jovens de hoje. Isto, sim, é praticamente algo impossível de atingirmos! Eles já nascem neste ambiente informatizado e virtual; todas as áreas de sua vida são atingidas; todas as dimensões da vida humana estão sendo modificadas: psico-afetiva, psico-social, mística, eclesial, política, ecológica! Gera-se uma dependência sem igual que nos faz questionar.

“A Cisco, multinacional da área de informática especializada em redes, realizou uma grande pesquisa em 14 países, entre eles o Brasil, sobre o comportamento dos jovens com relação à internet. Foram entrevistados universitários e jovens profissionais com idade de até 30 anos. Uma das mais surpreendentes revelações é a de que 72% dos universitários brasileiros entrevistados disseram que a internet é mais importante para eles do que namorar, sair com os amigos ou ouvir música. A média mundial nessa questão é de 40%. A pesquisa mostra também que 65% dos universitários e 61% dos jovens profissionais brasileiros consideram a internet tão importante quanto alimento, ar, água e moradia. A média no resto do mundo é de 33%. Além disso, 63% das pessoas entrevistadas no Brasil preferem ter internet a ter um carro - número dentro da média mundial.” (cf. Artigo no www.jovensconectados.org.br)

Todos são envolvidos

Disse-nos Bento XVI no começo do ano: “Sobretudo os jovens vivem esta mudança da comunicação, com todas as ansiedades, as contradições e a criatividade própria de quantos se abrem com entusiasmo e curiosidade às novas experiências da vida. O envolvimento cada vez maior no areópago público digital dos chamados social network, leva a estabelecer novas formas de relação interpessoal, influi sobre a percepção de si próprio e, por conseguinte, inevitavelmente, coloca a questão não só da justeza do próprio agir, mas também da autenticidade do próprio ser. A presença nestes espaços virtuais pode ser o sinal de uma busca autêntica de encontro pessoal com o outro, se se estiver atento para evitar os seus perigos, como refugiar-se numa espécie de mundo paralelo ou expor-se excessivamente ao mundo virtual”.

Uma das características de uma ‘mudança de época’ é a força que ela tem para atingir a todos e não somente uma parcela da sociedade. A tecnologia que sustenta as Redes Sociais ainda é acessível somente por uma parte do povo, os de condições econômicas mais favoráveis, mas acaba trazendo sérios problemas e mudança de comportamento de todos nós, quer tenhamos condições de aquisição dos mesmos quer não, quer conheçamos todos os seus mecanismos quer não. Podemos dizer que, inclusive, começa a nascer um novo grupo de ‘marginalizados’: aqueles que, influenciados por esta cultura, se sentem descriminados, desfavorecidos e até violentados em seus direitos de acesso aquilo que hoje tem movimentado o mundo e as relações interpessoais. Portanto, as REDES SOCIAIS dizem respeito a todos, tanto para os que navegam com prazer neste mundo virtual quanto para aqueles que, nem mesmo conseguindo sobreviver neste mundo real, são tentados e forçados a se voltarem para um horizonte que ainda se descortina muito longe de seu cotidiano e de suas possibilidades.

Desafios e otimismo

É assustador constatar que se está criando um verdadeiro hiato, uma grande defasagem, distanciamento entre dois mundos diferenciados não só pela questão da idade das gerações, mas das formas diferentes de encarar a vida, os valores, a fé, a Igreja, o compromisso, a sexualidade, a cidadania, o sofrimento, o prazer, o namoro, as opções, a educação, a saúde, as lutas, as renúncias. Se não nos voltarmos para esta realidade e enfrentarmos este desafio estaremos rapidamente, ‘falando para as paredes’, ou, pior ainda, deixando com que todos os comunicadores, inclusive aqueles que não agem pela ética do bem e da verdade, atinjam igualmente os jovens, manipulando-os ou escravizando-os.

Longe de este novo contexto nos assustar, no qual os jovens são os destinatários e protagonistas por excelência, precisamos – a Igreja e a Sociedade – nos posicionar com firmeza, ousadia, otimismo e, ao mesmo tempo, criatividade. Algo de novo, apesar de perigoso, se descortina e nos provoca a novas posturas, investimentos, organizações, etc. Bento XVI, em seu pronunciamento para o 45º. Dia Mundial das Comunicações Sociais deste ano, não condena esta ‘novidade’ mas nos convoca a um olhar bastante positivo e a uma urgente corresponsabilidade para integrar tudo isto a favor da vida do povo a partir da comunicação de vida plena anunciada por Jesus Cristo: “Convido os cristãos a unirem-se confiadamente e com criatividade consciente e responsável na rede de relações que a era digital tornou possível; e não simplesmente para satisfazer o desejo de estar presente, mas porque esta rede tornou-se parte integrante da vida humana. A web contribui para o desenvolvimento de formas novas e mais complexas de consciência intelectual e espiritual, de certeza compartilhada. Somos chamados a anunciar, neste campo também, a nossa fé: que Cristo é Deus, o Salvador do homem e da história, Aquele em quem todas as coisas alcançam a sua perfeição”.

A missão da Igreja e a CF 2013

A Igreja, ciente do mandato missionário recebido de Jesus Cristo, tem a responsabilidade dedefender e de promover a vida de todos. Neste mundo midiático com esta nova cultura desafiadora a Igreja é chamada a se posicionar na perspectiva do anúncio, da denúncia, da motivação, da co-responsabilidade, da divulgação daquilo que contribui.

A CNBB a partir de sua Campanha da Fraternidade, com o intuito de ser uma voz profética e transformadora para a vida do povo, escolhe o tema ‘Juventude’ para 2013 e se posiciona (cf. CONSEP de setembro) a favor do enfrentamento deste eixo complexo da cultura midiática: assunto atual e de suma importância para a Igreja e para a Sociedade.

Ao abordar o tema da Juventude e da cultura midiática na qual ela se faz presente interagindo, a CF 2013 visa tanto os jovens quanto os adultos em seu processo de amadurecimento enquanto cristão e cidadão, ser de relação e chamado à vida plena. Seus objetivos seriam vários, por exemplo: melhor compreensão desta mudança de época com a cultura midiática; entendimento relativo das novas tecnologias e seus efeitos na vida pessoal, eclesial e social; valorização da novidade que surge e capacitação para utilizá-la eticamente para o bem de todos; entendimento desta nova linguagem para se comunicar melhor com as novas gerações na missão de anunciar a verdade que liberta e salva; auxiliar os jovens a se conhecerem nesta nova realidade virtual, criando consciência crítica diante das novas oportunidades e capacitando-os para o uso adequado das mesmas; provocação aos educadores eclesiais e sociais da juventude (pais, professores, assessores, evangelizadores, pastores, catequistas...) para a busca de novos métodos e instrumentos que sejam mais atraentes, envolventes e comprometedores no que diz respeito à busca da felicidade e do bem comum; contribuição para que os jovens percebam e invistam nas outras áreas da vida pessoal e não se limitem aos atrativos e curiosidades que o comércio tende a investir cada vez mais segundo seus interesses reducionistas na divulgação destas tecnologias; como usar as Redes Sociais para o crescimento pessoal, para evangelização, para as grandes lutas do povo a favor da vida, das políticas públicas e contra todo tipo de violência, principalmente contra os jovens; combate a tudo quanto degrada o ser humano e que encontra apoio nestas redes sociais (tráfico de pessoas, tráfico de drogas, prostituição, pornografia, pedofilia, grupos de extermínio, desestruturação do núcleo familiar, aborto, etc); aproximação maior no mundo dos meios de comunicação social com uma relação mais frutuosa junto aos agentes de comunicação; resgate do grande valor das relações pessoais e da vida comunitária. Enfim, como conviver com toda esta realidade, capacitando-nos para um melhor aproveitamento desta novidade em prol da justiça, da fraternidade, da corresponsabilidade de todos para com todos na dinâmica de desenvolvimento pessoal, eclesial e social?

Temos a certeza da grande importância desta CF voltar-se para a cultura juvenil imersa no mundo midiático. Todos sairão ganhando! Este tema, bem abordado e provocativo, inclusive com a ‘cara’ dos jovens (cartaz, música, metodologia, linguagem, etc), poderá impactar tanto eles quanto os adultos presentes em nossas comunidades eclesiais, os formadores de opinião e aqueles que decidem a vida do povo, os pais na educação com seus filhos. Não se dá para fazer opção pela juventude, hoje, se não se mergulha nesta sua cultura que a atrai, a envolve, a compromete.

Nossas últimas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja afirma: “Importa saber utilizar o espaço ‘dos novos meios de comunicação social, especialmente a internet com inúmeras redes sociais, que constituem um novo fórum onde fazer ressoar o Evangelho’, ainda com o cuidado para que o mundo virtual jamais substitua o mundo real, pois ‘o encontro pessoal permanece insubsitituível’” (Doc 94, 95). E ainda: “Outro urgente areópago está no mundo da comunicação. Tornam-se inadiáveis mais investimentos tecnológicos e qualificação de pessoal, para o uso adequado dos meios de comunicação, uma ousada pastoral da comunicação, garantindo a presença da Igreja no diálogo com a mentalidade e a cultura contemporâneas, à luz dos valores do Evangelho. “ (Doc 94, 117)

“Eis-me aqui, envia-me”

O lema escolhido ressalta o reconhecimento da parte da Igreja do valor do jovem, provocando neles este compromisso de serem comunicadores da vida e da verdade que liberta os filhos de Deus de todas as amarras, escravidões, condicionamentos. O 'eis-me aqui, envia-me’ é a voz forte do jovem que, repleto de sonhos e com grande auto-estima, se coloca à disposição para ajudar a todos nós a navegarmos em águas profundas neste mundo virtual que lhe é caro e próprio.

O jovem tem muito a nos dizer!

Mais do que nunca podemos afirmar: se nossa opção pelos jovens não for consciente, intencional, efetiva, teológica, devemos fazê-la por uma urgente necessidade de sobrevivência! Se aproximarmos este novo dos jovens com a experiência que o mundo adulto tem, muitas coisas poderão mudar e melhorar! A Igreja e a Sociedade já estão nas mãos deles: acolhamos com respeito o que eles têm para nos ensinar! Eles são, acima de tudo, o presente, chamados a conduzir-nos para um novo tempo. Em certo sentido nós, adultos, dependemos mais dos jovens do que eles de nós!

Brasília, 18 de outubro de 2011


Dom Eduardo Pinheiro da Silva, sdb
Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Juventude, CNBB
Bispo Auxiliar de Campo Grande, MS

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